Epos Nordestum
Luigi Ricciardi
Espremida terra
de céu cinzento, lar de quem se deslocou léguas. Concreto firme prometendo
sonhos, cidade engolidora que atrai destinos. Olhos apreensivos de futuro,
mundo caótico novo, vida deixada algures. Metrópole que não dá conta de ser mãe
de tantos adotivos que lhe buscam o colo. E ele ali, olhos de novo Colombo, a
avistar montes, de prédios.
No caminho infinito da busca da
transposição de si mesmo na casa inóspita, lembrou-se da despedida seca como
sua terra, sem olhar no olhar, atitude empregada melhor do que a palavra, pois
o dizer nessas horas não diz nada. Mulher fitando-lhe os olhos, ele arisco ao
encontro. Virou-se e partiu. Costas viradas para a tapera de infância, tapera
onde casara, na festa de sua fome. Mirou o sul, horizontal destino, e a
correnteza de lágrimas a tapar-lhe os olhos. Foi-se.
Decidiu-se ir, pois, após olhar a terra
ardente qual fogueira. Judiação de plantação, alazão morrendo a míngua. Chuva a
rarear verões, a panela vazia de esperança. Jurou-se a mudança. O sul,
economias. Ao voltar haveria de tirar de sua terra o desgosto e plantar-lhe o
coração. E o verde dos olhos de Rosinha haveria de se espalhar na plantação.
Foi ao sul buscar o seu norte.
Analisando veredas, carros cegos e
movimentos mecânicos. Chãos cimentados, outrora arborizados. Multidão pelas
calçadas a arrastar quem para. Cabresto em cada um que passa, permanecendo
indestrutível mesmo se uma bomba cai a meio metro à esquerda. É consumido pela
massa no vai-e-vem eterno de não idas.
Falar
diferente nega-lhe o abrigo. Órfão de alma nessa nova terra. Empregos mal
pagos, maltratados aqueles que os aceitam. Mas valente! Se debaixo de sol
colhia o nada, aqui o solo duro há de lhe cozer o pão. A vida aos poucos dá o
seu norte. E meses a fio, a humilhação ele suporta por saudades do sertão.
Vida imprevista essa do sul, no norte a
peixeira avisava o ataque, aqui o tiro vem do alto do nada. Bala a ricochetear
na esquina, salto por trás de qualquer muro, escudo moderno contras as
espadadas destinais. Sonata em acordes dissonantes, zunindo a mosquito,
beirando-lhe os ouvidos. Achou estar livre após o breve silêncio, mas mão
armada na cabeça, voz a pedir o dinheiro, suado que lhe custara.
Chão duro era melhor que sem-chão. O
pouco juntado, voa-se ao vento do sul. Arrependeu-se da navegação que fizera.
Foi aí que se lembrou da terra, dura como seu peito, sentiu falta das folhas,
do pé descalço, do vento empoeirado. Sou é bicho de campo. E amou mais que
nunca sua Rosinha, na triste solidão, longe muitas léguas. Mas estapafúrdia
esperança, meios já não tinha de voltar.
Mas ao retornar ao pequeno cubo onde
vivia, câmeras e luzes. Fora sorteado, a TV presenteia-o: passagem de volta pra
terra, casa mobiliada, um ano de comida no armário. Deus provê, Deus proverá. E
assim voltou. Fez viagem sonhadora de retorno, a terra já não tão árida, fértil
após as chuvas de sua chegada. Hei de ver os olhos verdes de Rosinha.
Encontrou-a na porteira, as câmeras a oscularem a chegada. Os vizinhos batem
palmas, aclamam o filho pródigo. A velha mãe a chorar da soleira, e a vida
restabelecida.
E veio a chuva, tropicália do norte.
Penetrando pulmões de secura humana. O solo agora é transposição dos espíritos,
Severino unido à amada, pelo brotar de plantas nos seus olhos de mulher moça. A
velha mãe amassando o pão todas as tardes, cozendo para o café do dia seguinte.
A fartura é tão grande que não parece ser crível. E quando a terra era úmida
como nunca fora, veio a cartada final de outras regiões.
Duas semanas depois, o sul lhe vem ao
norte. Visto na TV, Severino é estudado, desejado por seus bens. Sutil retoque
do destino que vem com os dentes afiados. E um dia qualquer à noite, ao fechar
a porteira, sentiu presença inesperada. E então, bala a ricochetear o chão,
pernas a buscar abrigo, mas projétil lhe perfura o peito. E o verde dos olhos
de Rosinha já não se espalhará na plantação.
Do livro Anacronismo Moderno, publicado pela Editora Scortecci em novembro de 2011.
Ler ao som de Asa Branca - Luiz Gonzaga
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